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Isabel Sangali

TJ SP: FII e FIDC - restrições - não aplicação aos FIDC



1ªVRP/SP: Inviável a aplicação do disposto no §2º, do artigo 7º, da Lei n. 8.668/93 (fundos de investimentos imobiliários), aos fundos de investimento em direitos creditórios

Processo 1008575-05.2022.8.26.0100 Dúvida – Registro de Imóveis – Hercules Fundo de Investimento Em Direitos Creditórios Multissetorial – Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a dúvida suscitada pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital para confirmar como inaplicáveis as disposições da Lei n. 8.886/93 ao negócio celebrado entre as partes, possibilitando o ingresso do título, que se compõe de todos os documentos que o integram, no fólio real. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: RENATO CAVALLI TCHALIAN (OAB 398597/SP) Íntegra da decisão: SENTENÇA – Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR – Processo Digital nº: 1008575-05.2022.8.26.0100 Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis Suscitante: 17º Oficial de Registro de Imóveis da Capital Suscitado: Hercules Fundo de Investimento Em Direitos Creditórios Multissetorial Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Hercules Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Multissetorial, diante da negativa em se proceder ao registro de contrato de alienação fiduciária de bem imóvel em garantia e outras avenças firmado em 15 de outubro de 2019, o qual veio acompanhado de aditivos formalizados em 21 de janeiro de 2020 e 04 de março de 2020 (matrícula n. 57.935 daquela serventia). O Oficial noticia que o bem foi oferecido por terceiro para garantia de dívida de R$ 700.000,00, constituída em contrato que regula as cessões de crédito com coobrigação feitas por Sagittarius Serviços Ferroviários Eireli-EPP para a parte suscitada. Informa, ainda, que o título foi objeto de dúvida julgada procedente por sentença, mas reconhecida como prejudicada em sede recursal (autos n. 1071967-84.2020.8.26.0100). Os óbices apresentados são os seguintes: o primeiro aditivo contratual, datado de 21 de janeiro de 2020, contém referência ao artigo 7º, §2º, da Lei n. 8.668/93, o qual impõe ao Oficial que proceda à averbação das restrições dispostas nos incisos I a VI, do referido dispositivo; inviável aplicação analógica da regra aos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC), uma vez que referida legislação dispõe exclusivamente sobre a constituição e o regime tributário dos fundos de investimento imobiliário (FII); a Resolução do Conselho Monetário Nacional n. 2907/2001 e a Instrução CVM n. 356/2001 não preveem tais restrições; o segundo aditivo, formalizado em 04 de março de 2020, por não afastar expressamente a aplicação da Lei n. 8.668/93 e por alterar a relação de assinaturas, fazendo referência aos comparecentes no contrato e no primeiro aditivo, não se destinou a substitui-lo. Assim, por não poder desconsiderar o primeiro aditivo, uma vez que apresentado a registro juntamente com o negócio principal e o segundo aditivo contratual, o Oficial entende necessária a formalização de novo aditamento onde se preveja a não aplicação da legislação citada (prenotação n. 252.943). Documentos vieram às fls. 10/224. A parte interessada, em impugnação (fls. 239/244), reiterou manifestação dirigida ao Registrador (fls. 10/19): é possível novo questionamento, uma vez que não deu causa ao não conhecimento do mérito da dúvida anteriormente suscitada; cabe aplicação analógica da Lei n. 8.668/93 aos fundos de investimento em direitos creditórios, já que a ausência de regramento específico acerca da matéria não importa vedação; caso não se conclua por aplicação analógica, é possível o reconhecimento do segundo aditamento como título suficiente, conforme orientação que consta no acórdão que tratou da matéria. Documentos foram exibidos às fls. 245/349. O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 353/356). É o relatório. Fundamento e decido. Por primeiro, vale observar que a dúvida anteriormente suscitada pela parte interessada, processo de autos n. 1071967-84.2020.8.26.0100, foi reconhecida como prejudicada diante da alteração da pretensão em fase recursal: “Registro de Imóveis – Dúvida – Alienação fiduciária em garantia – Fundo de Investimento em Direitos Creditórios – Contrato aditado em conformidade com as exigências formuladas pelo registrador – Modificação da pretensão de registro no recurso de apelação – No procedimento de dúvida, a análise da dissensão entre o apresentante e o registrador deve ser decidida a partir da conformação do título no momento da suscitação – Impossibilidade de alteração do conteúdo do título prenotado no curso do processo da dúvida – Dúvida prejudicada – Apelação não conhecida, com determinação” (CSM, Apelação Cível n. 1071967-84.2020.8.26.0100, fls. 21/30). Assim e como houve reapresentação do título a registro, possível julgamento. No mérito, a dúvida é parcialmente procedente. Vejamos os motivos. Considerando que a parte suscitada trata-se de fundo de investimento em direitos creditórios, não se mostra possível, conforme previsto no primeiro aditivo contratual, incidência da Lei n. 8.668/93. O instituto da alienação fiduciária de coisa imóvel regulado pela Lei n. 9.514/97 figura entre os direitos reais imobiliários. Já as formas de aquisição dos direitos imobiliários variam de acordo com o tipo de investimento e o direito transferido, dentre as quais estão os fundos de investimento imobiliário (FII) e os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC). A Resolução do Conselho Monetário Nacional n. 2.907/2001, ao introduzir os FIDC no ordenamento jurídico, estabeleceu que se destinariam “preponderantemente à aplicação em direitos creditórios e em títulos representativos desses direitos, originários de operações realizadas nos segmentos financeiro, comercial, industrial, imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de serviços, bem como nas demais modalidades de investimento admitidas na referida regulamentação”. Por sua vez, ao dispor sobre a constituição e o regime tributário dos fundos de investimento imobiliário, previu a Lei n. 8.668/93, em seus artigos 6º e 7º, a forma como o administrador emprestará personalidade jurídica a eles, a fim de que terceiro adquira direito real, impondo restrições: Art. 6º O patrimônio do Fundo será constituído pelos bens e direitos adquiridos pela instituição administradora, em caráter fiduciário. Art. 7º Os bens e direitos integrantes do patrimônio do Fundo de Investimento Imobiliário, em especial os bens imóveis mantidos sob a propriedade fiduciária da instituição administradora, bem como seus frutos e rendimentos, não se comunicam com o patrimônio desta, observadas, quanto a tais bens e direitos, as seguintes restrições: I – não integrem o ativo da administradora; II – não respondam direta ou indiretamente por qualquer obrigação da instituição administradora; III – não componham a lista de bens e direitos da administradora, para efeito de liquidação judicial ou extrajudicial; IV – não possam ser dados em garantia de débito de operação da instituição administradora; V – não sejam passíveis de execução por quaisquer credores da administradora, por mais privilegiados que possam ser; VI – não possam ser constituídos quaisquer ônus reais sobre os imóveis. § 1 No título aquisitivo, a instituição administradora fará constar as restrições enumeradas nos incisos I a VI e destacará que o bem adquirido constitui patrimônio do Fundo de Investimento Imobiliário. § 2 No registro de imóveis serão averbadas as restrições e o destaque referido no parágrafo anterior”. Todavia, não há disposição semelhante aplicável aos fundos de investimento em direitos creditórios. É o que se verifica da Resolução CMN n. 2.907/2001, acima referida, e da Instrução n. 356/2001, da Comissão de Valores Mobiliários, que regulamentou a constituição e o funcionamento dos FIDC. No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda os ditames legais, o que não permite suprimento, por analogia, de eventual lacuna legislativa. Assim, inviável a aplicação do disposto no §2º, do artigo 7º, da Lei n. 8.668/93, aos fundos de investimento em direitos creditórios como pretende a parte interessada, Hercules Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Multissetorial. Por outro lado, verifica-se que o segundo aditivo, datado de 04 de março de 2020 (fls. 45/50), o qual foi apresentado em atendimento à exigência do Oficial, ao referir-se especificamente ao contrato principal, destinou-se a validar tão somente as cláusulas inicialmente contratadas. Desta forma, clara foi a intenção das partes em desconsiderar a referência à Lei n. 8.668/93 feita no primeiro aditivo, de 21 de janeiro de 2020, para possibilitar o registro do título (fls. 41/44). O acórdão proferido quando da apreciação da dúvida anteriormente suscitada alcançou a mesma conclusão (autos n. 1071967-84.2020.8.26.0100, fls. 27/28): “Explicando melhor: o contrato, em sua versão original, previa a alienação fiduciária do imóvel ao Fundo apelante. A fim de afastar a recusa disso decorrente, foi celebrado o primeiro aditivo contratual para constar a constituição da garantia em favor da instituição financeira administradora do Fundo, com o que ficou superada essa questão. E, diferentemente do que entendeu o registrador, no segundo aditivo – apresentado para suprir as novas exigências formuladas – foram excluídas as referências à Lei nº 8.688/1993 e às restrições trazidas em seu art. 7º, constantes do anterior aditivo. Nem se alegue que, ao ficar consignado, no segundo aditivo, que as demais cláusulas permaneceriam inalteradas, pretendiam os contratantes validar o primeiro aditivo e não o contrato inicialmente celebrado. Se assim fosse, não haveria razão para o último aditivo, que então seria obviamente, mera repetição do anterior. Nesse cenário, é possível concluir que as cláusulas que permanecem inalteradas são aquelas do contrato inicialmente celebrado, exceto no que diz respeito à alteração da pessoa jurídica que passou a figurar como credora fiduciária, tudo conforme o último aditivo contratual apresentado”. Não há como desconsiderar, de fato, que o primeiro aditivo, datado de 21 de janeiro de 2020, por ter sido reapresentado juntamente com o contrato principal, integra o título de forma indissociável. Por outro lado, todo o contexto documental produzido confirma que o segundo aditamento veio para exclusão das regras da Lei n. 8688/93 dos termos contratuais. Exigir, assim, novo aditamento é preciosismo desnecessário. Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a dúvida suscitada pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital para confirmar como inaplicáveis as disposições da Lei n. 8.886/93 ao negócio celebrado entre as partes, possibilitando o ingresso do título, que se compõe de todos os documentos que o integram, no fólio real. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. São Paulo, 18 de março de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad Juíza de Direito

DJe: 22/03/2022, SP

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