TJ SP:ex-cônjuges podem dispor de patrimônio comum sem partilha, com averbação do divórcio/separação
1VRP/SP: Registro de Imóveis. Ex-cônjuges e proprietários registrários passam a poder dispor do patrimônio comum independentemente de partilha e sem violação ao princípio da continuidade, desde que averbada, previamente, a alteração do estado civil
Processo 1108607-52.2021.8.26.0100
Dúvida – REGISTROS PÚBLICOS – Vera Maria de Castro Lima – Vistos. Fls. 88/94: Considerando que estamos na via administrativa e após análise do alegado, entendo prudente rever o posicionamento adotado.
Isto porque existe fundamento nas Normas de Serviço para se admitir que, com o divórcio ou a separação judicial, o regime de bens é extinto, de modo que a comunhão patrimonial se transforma em condomínio (nota lançada ao subitem 14, alínea “b”, do item 9, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo, destaque nosso): “9. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos: b) a averbação de: (…) 14. escrituras públicas de separação, divórcio e dissolução de união estável, das sentenças de separação judicial, divórcio, nulidade ou anulação de casamento, quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro; NOTA: A escritura pública de separação, divórcio e dissolução de união estável, a sentença de separação judicial, divórcio, nulidade ou anulação de casamento será objeto de averbação, quando não decidir sobre a partilha de bens dos cônjuges, ou apenas afirmar permanecerem estes, em sua totalidade, em comunhão, atentando se, neste caso, para a mudança de seu caráter jurídico, com a dissolução da sociedade conjugal e surgimento do condomínio ‘pro indiviso”.
Assim, ex-cônjuges e proprietários registrários passam a poder dispor do patrimônio comum independentemente de partilha e sem violação ao princípio da continuidade, desde que averbada, previamente, a alteração do estado civil. Neste sentido, havia decidido o Egrégio Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo na Apelação Cível n. 079158-0/3, com relatoria do Exmo. Des. Luís de Macedo (destaque nosso): “O recurso merece provimento. A recorrente, após sua separação judicial, adquiriu de seu ex-marido a metade ideal do imóvel residencial matriculado sob nº 41.629 no 8º Registro de Imóveis da Capital, havido em comum. Apresentada a registro a respectiva escritura pública de venda e compra instruída com certidão de casamento mencionando a separação judicial consensual, o Oficial exigiu o prévio ingresso no registro imobiliário da partilha dos bens comuns, providência, no seu entender, necessária à extinção da comunhão oriunda do regime matrimonial de bens, tese essa acolhida na sentença, ora atacada. Sem razão, porém.
A jurisprudência deste Conselho Superior da Magistratura atualmente é no sentido de que a separação judicial põe termo ao regime de bens, transformando a comunhão até então existente em condomínio, permitindo a alienação dos bens pelos co-proprietários, desde que averbada a alteração no estado civil, independentemente de prévio ingresso no fólio real da partilha dos bens comuns. Lembre-se com Ademar Fioranelli, um dos estudiosos das questões registrarias, ser ‘pacífico que nas separações, ou divórcios, inexistindo a partilha dos imóveis, nada impede que, mantida a comunhão dos imóveis agora ‘pro indiviso’, ambos os condôminos alienem a propriedade a terceiros, com preferência do outro condômino. Aos Oficiais basta atentar para a averbação obrigatória, antes da prática dos registros, das alterações do estado civil, exigindo o documento hábil consubstanciado em certidão do assento civil das alterações a teor do que dispõe o art. 167, II, n. 5, c.c. o parágrafo único do art. 246 da Lei6.015/73’, observando que ‘julgados recentes do Colendo Conselho Superior da Magistratura paulista, no sentido de que nada obsta que, averbada a alteração do estado civil de separado ou divorciado, com a mudança do estado de comunhão para condomínio, ambos promovam a alienação o bem a terceiros, sem necessidade de exibição de formal de partilha para exame e eventual partilha ou atribuição a eventual prole, já que não cabe ao registrador estabelecer raciocínios hipotéticos’ (Ap. Cív. nº23.886-0/0-Catanduva- SP, Ap. Cív. nº23.756-0/8-Campinas-SP)’ (in “Direito Registral Imobiliário”, Sérgio Antonio Fabris Editor, 2001, pág. 92).
Ante o exposto, dou provimento ao recurso para determinar, averbada a separação judicial dos contratantes, o registro da escritura pública de venda e compra”. A exigência de partilha prévia adotada pela sentença proferida às fls. 79/83 fundamentou-se principalmente em julgado recente do mesmo órgão: “DÚVIDA REGISTRO DE IMÓVEIS – Imóvel registrado em nome de casal divorciado, sem registro de partilha – Escritura de doação feita pelo ex-marido na condição de divorciado, pretendendo a doação de sua parte ideal da propriedade à ex-cônjuge – Partilha não registrada – Necessidade de prévia partilha dos bens do casal e seu registro – Comunhão que não se convalida em condomínio tão só pelo divórcio, havendo necessidade de atribuição da propriedade exclusiva, ainda que em partes ideais, a cada um dos ex-cônjuges – Impossibilidade do ex-cônjuge dispor da parte ideal que possivelmente teria após a partilha – Ofensa ao princípio da continuidade – Exigência mantida – Recurso não provido” (APELAÇÃO CÍVEL: 1012042-66.2019.8.26.0562, Relator: Des. Ricardo Mair Anafe, DJ: 14/04/2020). E, ainda: “Divórcio consensual sem partilha de bens. Impossibilidade de alienação antes da partilha por não configurada propriedade em condomínio. Violação do princípio da continuidade. Inviabilidade do registro da doação da metade ideal realizada por um dos antigos cônjuges pena da violação ao princípio da continuidade Recurso provido” (Apelação Cível: 1041937-03.2019.8.26.0100 Relator Des. Pinheiro Franco). Entretanto, como bem sustenta a parte, a hipótese analisada em ambos os julgados citados acima pode ser reputada como distinta daquela ora em debate (doação do imóvel em conjunto a terceiro), notadamente pela ausência de qualquer prejuízo a quem quer que seja. Em verdade, por meio da nota lançada ao subitem 14, alínea “b”, do item 9, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo, seria possível admitir até mesmo a alienação entre os ex-cônjuges, na medida em que condôminos. Assim, não se aplicando a ressalva imposta na Apelação n.1012042-66.2019.8.26.0562 e na Apelação n. 1041937-03.2019.8.26.0100, não vislumbro real motivo para impedir o ingresso do título. Não é demasiado pontuar novamente que a averbação do divórcio não depende de prova sobre a existência ou não de partilha prévia dos bens comuns (apresentação ou averbação da escritura de divórcio), bastando apresentação da certidão de casamento com anotação do divórcio. Neste caso, os emolumentos devidos não terão valor declarado porque não houve partilha do imóvel, aplicando-se a nota explicativa n. 2.4, da Tabela II, da Lei n. 11.331/02. Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida suscitada pelo Oficial do 14º Registro de imóveis da Capital para afastar o óbice registrário e, em consequência, determinar o registro do título após averbação da alteração do estado civil das partes. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Retifique-se o registro da sentença, publicando-se, comunicando-se e intimando-se, com reabertura do prazo para recurso. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. Intimem-se. – ADV: ENIO RODRIGUES DE LIMA (OAB 51302/SP)
DJe de 26/11/2021 – SP