Renúncia à herança e consulta à central de indisponibilidades
É necessária a consulta à central de indisponibilidade, nos casos de renúncia à herança?
Processo 0011842-36.2021.8.26.0100 Pedido de Providências – 2ª Vara de Registros Públicos
VISTOS, Trata-se de expediente instaurado de ofício por esta Corregedoria Permanente a partir da remessa de processo das atribuições da 1ª Vara de Registros Públicos a esta 2ª Vara, no qual consta a lavratura de Escritura Pública de Inventário e Partilha de bens na houve a renúncia de herdeiro que se encontrava com ordem de indisponibilidade de bens (a fls.01/60). O Sr. Tabelião prestou informações (a fls. 62/63 e 73/76). O Ministério Público pugnou pela abertura de processo administrativo disciplinar (a fls. 66/69 e 80). É o breve relatório O direito à sucessão aberta é bem imóvel por determinação legal nos termos do artigo 80, inciso II, do Código Civil, ao estabelecer: Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais: (…) II – o direito à sucessão aberta. Entre as faculdades proprietárias, a disposição do bem (ius abutendi) encerra o poder sobre a substância da coisa; nos bens imóveis as exemplificações mais comuns tratam da alienação da coisa. Não obstante, a renúncia encerra o exercício da faculdade de disposição ante ao expresso despojamento do direito de propriedade ainda que não envolva sua transmissão. Santos Justo (direitos reais. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 285) comenta essa questão nos seguintes termos: A renúncia é outra casa de extinção do direito de propriedade. Constitui uma manifestação da faculdade de disposição reconhecida ao proprietário. Nos termos do artigo 1.784 do Código Civil, a morte implica na transmissão automática da herança aos herdeiros (droit de saisine), cuidando-se a aceitação da herança de ato de confirmação da transmissão da herança (CC, art. 1.804, caput) que não pode ser dispensada. A indisponibilidade determinada em processo jurisdicional (a fls. 13/16) impede o exercício da faculdade de disposição por parte do titular do direito de propriedade de modo geral, a qual não é limitada aos atos de alienação e sim aos de disposição patrimonial no geral. Compete concluir pela necessidade da consulta da central de indisponibilidade nos casos de renúncia à herança. Portanto, não era possível, respeitadas as compreensões diversas, a exemplo da juntada aos autos pelo Sr. Tabelião que, inclusive, envolve ato recente semelhante praticado em Delegação de Notas da Comarca da Capital (a fls. 73/76), a realização da renúncia sem a consulta à Central Nacional de Indisponibilidade de Bens na qual havia inscrição do renunciante. Há previsão no item 44, do capítulo XVI, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, bem como no artigo 14, p. 1º, do Provimento n. 39, da Corregedoria Nacional de Justiça, acerca da necessidade da consulta à Central Nacional de Indisponibilidade de Bens, como segue: NSCGJ. 44. O Tabelião de Notas, antes da prática de qualquer ato notarial que tenha por objeto bens imóveis, direitos a eles relativos ou quotas de participação no capital social de sociedades simples, deve promover prévia consulta à base de dados da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB), consignando no ato notarial o resultado da pesquisa e o respectivo código gerado (hash), dispensado o arquivamento do resultado da pesquisa em meio físico ou digital. 44.1. A existência de comunicação de indisponibilidade não impede a lavratura de escritura pública representativa de negócio jurídico tendo por objeto a propriedade ou outro direito real sobre imóvel ou quotas de participação no capital social de sociedade simples de que seja titular a pessoa atingida pela restrição, nessa incluída a escritura pública de procuração, devendo constar na escritura pública, porém, que as partes foram expressamente comunicadas da existência da ordem de indisponibilidade que poderá implicar a impossibilidade de registro (lato sensu) do direito no Registro de Imóveis ou, então, conforme o caso, no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, enquanto vigente a restrição. Prov. 39, CNJ. Art. 14. Os registradores de imóveis e tabeliães de notas, antes da prática de qualquer ato notarial ou registral que tenha por objeto bens imóveis ou direitos a eles relativos, exceto lavratura de testamento, deverão promover prévia consulta à base de dados da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB, consignando no ato notarial o resultado da pesquisa e o respectivo código gerado (hash), dispensado o arquivamento do resultado da pesquisa em meio físico ou digital. § 1º. A existência de comunicação de indisponibilidade não impede a lavratura de escritura pública representativa de negócio jurídico tendo por objeto a propriedade ou outro direito real sobre imóvel de que seja titular a pessoa atingida pela restrição, nessa incluída a escritura pública de procuração, devendo constar na escritura pública, porém, que as partes do negócio jurídico foram expressamente comunicadas da existência da ordem de indisponibilidade que poderá ter como consequência a impossibilidade de registro do direito no Registro de Imóveis, enquanto vigente a restrição. Note-se que a hipótese de ineficácia prevista no artigo 1.813 do Código Civil pressupõe a renúncia do herdeiro com possibilidade do exercício do ato de disposição patrimonial, destarte, a meu compreender, reiterado o respeito ao entendimento contrário, encerra situação jurídica diversa sem o condão de afastar a determinação administrativa. Estabelecida a necessidade da consulta, a qual não houve, passo ao exame da responsabilidade administrativa disciplinar do Sr. Tabelião e demais providências administrativas. Há precedentes administrativos em sede de dúvida registral da Comarca da Capital acerca do não cabimento da consulta de indisponibilidade no caso desses autos e, mesmo, determinando o registro do título. De outra parte, o Sr. Tabelião atuou com absoluta boa-fé em conformidade a sua compreensão, da qual, respeitosamente, discordo. Além disso, houvesse a consulta, seria possível a lavratura do respectivo ato notarial com a devida informação às partes. Nesse quadro, tenho por excluídos quaisquer indícios de ilícito administrativo disciplinar. As demais providências pertinentes são de três ordens: a. Remessa de cópia desta sentença e de fls. 13/16 e 28/36 ao MM Juízo que decretou a ordem de indisponibilidade para conhecimento, por e-mail, servindo a presente decisão como ofício; b. Remessa de cópia integral dos autos para Egrégia Corregedoria Geral da Justiça para eventuais providências de ordem normativa, por e-mail, servindo a presente sentença como ofício; c. Publicação desta decisão para ciência dos Excelentíssimos Senhores Tabeliães de Notas da Comarca da Capital para reflexão que possa merecer. Ante ao exposto, determino o arquivamento do presente expediente após o cumprimento das determinações supra. Ciência ao Ministério Público e ao Sr. Tabelião. P.I.C.
(DJE/SP - 21.06.2021)
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