O patrimônio de afetação na incorporação imobiliária
O patrimônio de afetação foi introduzido em nosso ordenamento pela MP nº 2221/01 que, posteriormente, deu lugar à Lei nº 10931/04, a qual alterou a Lei nº 4591/64, com a inclusão dos artigos 31-A até 31-F.
Em análise ao contexto histórico do surgimento do patrimônio de afetação, pode-se afirmar que o instituto nasceu após momentos de instabilidade e falta de credibilidade no mercado imobiliário, notadamente, pela decretação da falência da Encol S/A.
A afetação está nitidamente atrelada ao instituto da incorporação imobiliária.
Nesse sentido, cabe definir o que é incorporação imobiliária. A incorporação define-se como sendo a atividade exercida por pessoas físicas ou jurídicas com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas. Ela possui cunho empresarial.
Essa atividade é complexa e envolve fatores diversos, dentre eles, os direitos dos adquirentes das futuras unidades autônomas, em especial, a garantia da entrega das unidades.
Então, inserida nesse contexto da incorporação, surge o patrimônio de afetação, de modo a apartar o empreendimento imobiliário afetado do restante do patrimônio do incorporador, com a preservação do acervo da incorporação, deixando-o incomunicável.
Ademais, diante da afetação, adota-se o sistema de escrituração contábil próprio e o regime especial de tributação, este, opcional.
Além disso, os bens afetados não responderão por todas as dívidas do incorporador, apenas responderão por dívidas e obrigações da incorporação. Isso é a letra do artigo 31-A e parágrafos 1º, 2º e 3º, da Lei nª 4591/64.
E longe de pretender esgotar o tema, singelamente, serão abordados a seguir apenas quatro pontos relacionados à afetação, quais sejam: 1. Legitimados a requerer a averbação (afetação é ato de averbação – artigo 31-B da Lei nº 4591/64), 2. Facultatividade da afetação, 3. Prazo para solicitar a averbação da afetação, e 4. Possibilidade de averbar a afetação nas hipóteses de existência de ônus reais sobre o imóvel.
De leitura obrigatória, o artigo 31-B, bem como o seu parágrafo único, já nos trazem elementos aptos a responder alguns dos pontos acima elencados.
Diz o aludido artigo: “... Considera-se constituído o patrimônio de afetação mediante averbação, a qualquer tempo, no Registro de Imóveis, de termo firmado pelo incorporador e, quando for o caso, também pelos titulares de direitos reais de aquisição sobre o terreno. Parágrafo único. A averbação não será obstada pela existência de ônus reais que tenham sido constituídos sobre o imóvel objeto da incorporação para garantia do pagamento do preço de sua aquisição ou do cumprimento de obrigação de construir o empreendimento...”.
A partir desse dispositivo legal, pode-se extrair a figura daquele que é legitimado a requer a averbação do patrimônio de afetação perante o registro de imóveis competente. Essa pessoa é o incorporador.
Apesar da lei falar em “....quando for o caso, também pelos titulares de direitos reais de aquisição sobre o terreno...”, não se vislumbra qualquer necessidade do comparecimento dos adquirentes ou eventuais credores com garantia real no termo de constituição de patrimônio de afetação. Seria excessivo rigor formal, para tanto, basta que o pedido seja feito pelo incorporador, obviamente, com firma reconhecida da assinatura (artigo 221, II, da Lei nº 6015/73).
Na verdade, a afetação beneficia a todos (adquirentes e credores), não sendo razoável exigir-se anuências para isso. O enunciado 323 da IV Jornada de Direito Civil da Justiça Federal elucida a questão: “... É dispensável a anuência dos adquirentes de unidades imobiliárias no “termo de afetação” da incorporação imobiliária...”.
No tocante à faculdade do incorporador de requerer a averbação do patrimônio de afetação, de fato, pela leitura da lei, é o que se pode concluir. O artigo 31-A dispõe: “... A critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime da afetação...”.
Não obstante as fundamentadas críticas, resta clara a facultatividade dessa averbação. Certamente, se ela fosse obrigatória, ter-se-ia mais segurança em relação a todo e qualquer empreendimento, tendo as incorporações maior efetividade.
Já em relação ao tempo hábil para requerer-se a averbação do patrimônio de afetação, a lei nos indica que poderá ser solicitada a qualquer tempo, desde que antes da averbação da construção e instituição do condomínio edilício (artigos 31-B e 31-E, I).
Nesse sentido, é possível realizar o pedido da averbação no próprio memorial da incorporação ou, ainda, em termo apartado, antes ou após à incorporação.
Por derradeiro, acerca da possibilidade de averbar a afetação nas hipóteses de existência de ônus reais sobre o imóvel, tem-se a resposta afirmativa. Seja o ônus para garantia de pagamento do preço para aquisição, seja o ônus para cumprimento da obrigação de construir o empreendimento ou outro motivo, poderá ser realizada a averbação do patrimônio de afetação (artigo 31-B, § único).