1VRSP - Partilha, meação, comunicação, cláusulas restritivas condicionadas à morte da doadora
1VRPSP - PROCESSO: 1086314-25.2020.8.26.0100
LOCALIDADE: São Paulo DATA DE JULGAMENTO: 04/02/2021 DATA DJ: 08/02/2021
UNIDADE: 5
RELATOR: Tânia Mara Ahualli
Sucessões – partilha – meação. Doação – cláusulas restritivas. O cancelamento ulterior de cláusula restritiva não alcança o ato jurídico perfeito e acabado de aquisição do imóvel. Cônjuge supérstite não está legitimado para figurar como meeira se o bem não entrou na comunhão de bens.
Íntegra
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - COMARCA DE SÃO PAULO - FORO CENTRAL CÍVEL - 1ª VARA DE REGISTROS PÚBLICOS
Processo Digital nº: 1086314-25.2020.8.26.0100 Classe - Assunto Dúvida - REGISTROS PÚBLICOS Suscitante: 5º Oficial de Registro de Imóveis Suscitado: Maria Clementina Neves Baptista Mendes Rodrigues
Vistos
Trata-se de duvida suscitada pelo Oficial do 5º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Maria Clementina Neves Baptista Mendes Rodrigues, diante da negativa em se proceder ao registro da escritura de inventário e partilha dos bens deixados por Nelson Mendes Rodrigues, referente aos imóveis matriculados sob nºs 63.967, 63.968, 63.970, 63.072, 63.973, 63.961, 63.987 e 63.988.
O óbice registrário teve por fundamento a doação com cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade, sendo o donatário, à época da aquisição, casado sob o regime da comunhão universal de bens. Logo, entende o Registrador que o bem não teria se comunicado ao cônjuge, não devendo constar a condição de viúva meeira no inventário e partilha .
Esclarece o Registrador que o de cujus recebeu a nua propriedade dos imóveis a título de doação em antecipação da legítima, com anuência de sua mulher, ora suscitada, sendo o usufruto instituído em favor de sua genitora Olga Mendes. Consta da doação que alguns imóveis foram gravados com cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade, em caráter temporário, ou seja, até o falecimento da doadora e usufrutuária Olga Mendes, que veio a falecer em 11.05.2016, ocasião em que foram cancelados os usufrutos e as cláusulas. Juntou documentos às fls.04/264.
A suscitada apresentou impugnação às fls.265/274.
Argumenta que, com o falecimento da doadora Olga Mendes antes de Nelson, todas as cláusulas restritivas perderam o efeito automaticamente, nos termos da escritura lavrada. Apresentou documento às fls.275/294.
O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls.298/301).
A ARISP (Associação dos Registradores de Imóveis de São Paulo), por intermédio de seu presidente Dr. Flaviano Galhardo, manifestou-se pela improcedência da dúvida (fls.305/307).
É o relatório.
Passo a fundamentar e a decidir.
Primeiramente os fatos concernentes a eventual não observância da Serventia Extrajudicial no cumprimento dos prazos para entrega dos documentos é matéria estranha ao presente feito e deverá ser veiculada em procedimento próprio.
Feita esta observação, passo à análise do mérito. Em que pesem os argumentos expostos pelo Registrador, bem como entendimento do D. Promotor de Justiça, entendo pelo afastamento do óbice imposto.
O cerne da questão posta a desate refere-se à clausula de inalienabilidade implicar em incomunicabilidade, bem como os efeitos temporais da mencionada clausula, vez que houve a implementação da condição imposta e o seu cancelamento.
Trata-se de fato cuja peculiaridade deve ser destacada. É pacífico em nosso ordenamento jurídico que qualquer cláusula restritiva, tanto e inalienabilidade, impenhorabilidade ou incomunicabilidade sobre o bem recebido pelo donatário poderá ter vigência temporária ou vitalícia. Neste contexto, caso o beneficiário do testamento ou da doação faleça, o bem com a restrição será transmitido aos seus herdeiros, livre e desembaraçado.
Consta na escritura de fls.275/282, que a doação de alguns imóveis foram gravados com as cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade, em caráter temporário, conforme clausula "g":
"g: do falecimento da doadora antes do donatário: Em ocorrendo o falecimento da segunda adquirente antes do primeiro adquirente, todas as restrições impostas a mencionada doação se desvinculam, deixando portanto de serem aplicadas".
Apesar da cláusula de inalienabilidade implicar em incomunicabilidade do imóvel, entendo que na presente hipótese isto não se aplica em virtude da efetivação da condição imposta na mencionada escritura de doação, qual seja, o falecimento da doadora e o consequente perda da validade das restrições impostas à doação, tendo em vista que tais cláusulas tiveram vigência até a morte de Olga.
Portanto, os imóveis comunicaram-se a seu cônjuge, já que casados sob o regime da comunhão universal de bens. Acerca do tema, o STJ já firmou posicionamento. Acompanhando o voto da Ministra Nancy Andrighi, no RESP 1101702, a 3ª Turma do STJ entendeu que a clausula de impenhorabilidade e inalienabilidade é válida até o falecimento do beneficiário, sendo transmitido livre e desembaraçado aos herdeiros, ressalvada a hipótese do beneficiário expressamente manifestar-se pela transmissão do gravame, o que não é o caso dos autos, já que conforme exposto, os gravames foram impostos até o falecimento da doadora.
De acordo com o entendimento da Ministra Nancy Andrighi, com o qual coaduno: "A inalienabilidade é a proteção do patrimônio do beneficiário e sua restrição não pode ter vigência para além de sua vida: "a cláusula está atrelada à pessoa do beneficiário e não ao bem, porque sua natureza é pessoal e não real".
Neste contexto, Olga impôs mencionadas cláusulas em beneficio próprio, na hipótese de Nelson, na qualidade de herdeiro, falecer antes da doadora, caso em que os bens não se comunicariam ao seu cônjuge, ficando preservado o patrimônio.
O ato de doação realmente está perfeito e acabado, não podendo se transmudar. Todavia, isto não se aplica às cláusulas nele impostas, vez que com o advento morte perderam sua eficácia. Com a perda da eficácia, o bem passa ao patrimônio do donatário livre, podendo comunicar-se ao cônjuge e demais herdeiros de acordo com o regime de bens adotados. Vale fazer menção aos ensinamentos do ilustre Drº Ademar Fioranelli, que com muita propriedade abordou sobre o tema:
"De igual modo, é possível o cancelamento da clausula temporária, subordinada a determinado evento, condição ou o avento do termo estabelecido, desde que devidamente comprovados (v.G., casamento do donatário, sua maioridade, morte do doador, tempo de duração, etc.), mediante o assentamento do registro civil. Quando estabelecidas até o beneficiado atingir a maioridade, não se extingue pela emancipação (RT, 181/271). Interessante observar que, com o cancelamento das clausulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade devido ao cumprimento da condição ou advento do termo (certo ou incerto), o imóvel antes gravado com referido vinculo experimenta notável transformação, recobrando o proprietário o direito de livre disposição, e os credores a garantia de seus créditos. O bem antes incomunicável, de propriedade exclusiva, passa à condição de coisa comum, na eventualidade do beneficiário casar-se ou mesmo de já estar casado no momento da liberalidade (doação ou testamento), pelo regime da comunhão universal de bens, entrando na partilha pela dissolução da sociedade conjugal ou na transmissão mortis causa" (g.n) (Das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, Ed. Saraiva, págs. 80/81).
Logo, entendo pelo afastamento do óbice.
Diante do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 5º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Maria Clementina Neves Baptista Mendes Rodrigues, e consequentemente determino o registro do titulo.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.
Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 4 de fevereiro de 2021.
Tania Mara Ahualli Juiza de Direito
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